CRACK: calamidade nacional

Crack sai dos guetos e se alastra pelo país


Qui, 18 Mar, 07h55
Por Juliano Costa, Redação Yahoo! Brasil

A imagem de um garoto de 13 anos acorrentado pela própria mãe chocou o Brasil esta semana. Josiane Ferraz, uma faxineira de Piracicaba (SP), resolveu prender o filho para que ele não saísse de casa atrás de crack. Ela responde agora a processo por maus-tratos, mas já avisou que, se for preciso, vai voltar a acorrentar o garoto. "Não quero vê-lo morrer por causa de droga."

Histórias de vício como a do menino de Piracicaba se alastram pelo país. O crack já assola todas as faixas etárias, todas as classes sociais, e não está mais restrito às grandes capitais - Piracicaba, por exemplo, está a 164 km de São Paulo, cidade que registrou o primeiro relato de uso de crack no país, em 1989.

O consumo se disseminou a tal ponto que o presidente Lula veio a público externar sua preocupação. Ele determinou a criação de um seminário nacional que discuta a questão do crack e seus efeitos nocivos na juventude brasileira. "Eu nunca vi tanta gente se queixando dos efeitos do crack como tenho visto atualmente quando converso com os prefeitos", disse Lula, em entrevista recente.

O crack se alastra porque é uma droga barata e mais viciante (e devastadora) que as outras. Drogas como maconha, cocaína e LSD foram ícones de uma época - chegaram às ruas quase como um passaporte de entrada obrigatório para certos círculos sociais, principalmente nos anos 70 (maconha) e 80 (cocaína). Já o crack nunca teve glamour. A Cracolândia, área mais degradada do decadente centro de São Paulo, era praticamente seu único habitat. Acabou se alastrando no boca a boca, chegando à classe média. "Não existe essa coisa de droga de pobre ou droga de rico", diz o dr. Carlos Salgado, presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas). "Uma droga leva à outra. Quem fuma maconha pode passar a fumar crack quando ouve que aquilo vai dar um barato maior."

O crack nasceu nos guetos americanos e se alastrou pelo mundo, principalmente nas grandes cidades. Mas hoje já há relatos de grupos de viciados até em plantações de cana no Brasil. Nas cidades do interior, lugares como rodoviárias e praças centrais parecem ter se tornado "filiais" da cracolândia paulistana.

No Rio, os próprios traficantes coibiam a disseminação do crack devido ao seu enorme potencial viciante - havia o risco de os "funcionários" do tráfico ficarem "inúteis" depois de consumirem o crack e, por ser uma droga mais barata, o foco das vendas sempre foi a maconha e a cocaína. "Mas agora isso saiu de controle. Vejo o crack se alastrando de forma alarmante", diz o rapper MV Bill, espécie de líder comunitário da Cidade de Deus, uma das regiões mais pobres do Rio de Janeiro. "Vejo crianças se viciando. Vejo meninos partindo para o latrocínio e meninas se prostituindo em troca de crack. É um cenário muito preocupante e vejo pouca movimentação das autoridades no sentido de coibir o crescimento dessa droga", emenda MV Bill.

Novidade

Dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro mostram que o crack é a única droga que cresce em número de apreensões no estado. Dos entorpecentes apreendidos pela polícia em 2009, 10,8% eram crack. No ano anterior, esse número foi de 9%. Maconha (49,9%) e cocaína (37,3%) ainda lideram o ranking com folga. Mas isso porque o crack ainda é novidade no Rio. "Essa sempre foi uma droga muito consumida em São Paulo. Aqui era muito raro ver dependente de crack", relata MV Bill.

A droga cresce também em Salvador. Dentre os viciados em entorpecentes atendidos pelo Programa de Redução de Danos da Universidade Federal da Bahia, 26% eram usuários de crack em 2006. Três anos depois esse número chegou a 37,8%.

De acordo com um levantamento do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da UFRGS, o crack representa 39% dos atendimentos psiquiátricos no Brasil. A dependência da droga deixa o usuário em constante estado de paranoia - ou simplesmente "noia", como eles dizem. Quando o viciado tem o crack, ele fica em alerta para que ninguém tire a droga dele. Quando não a tem, procura desesperadamente formas de conseguir dinheiro para mais algumas "pedras." É aí que surgem os outros crimes ligados ao uso de entorpecente - roubos, furtos, latrocínios, prostituição. Tudo para conseguir a droga.

A pesquisa da UFRGS mostrou também que a grande maioria dos usuários de crack que buscaram ajuda especializada são homens (81,9%) jovens (31 anos, abaixo da média geral para outros tipos de viciados, que é de 42). O nível de desemprego é altíssimo: 52,2%, muito acima da média nacional, que é de pouco mais de 7%.

Como é mais fácil - e muito mais barato - prevenir do que remediar, o Ministério da Saúde se lançou de cabeça na luta contra o crack, investindo pesado em campanhas de conscientização na TV e no rádio. "O problema é que a iniciação geralmente acontece em casa, com drogas em tese menos devastadoras, mas que servem de porta de entrada para o crack", diz Carlos Salgado, da Abead.

O crack é barato porque é feito de sobras do refino da cocaína - as pedras resultam da fervura desse material com água e bicarbonato de sódio. Mas o efeito é muito mais devastador que o da cocaína quando aspirada. Em 10 a 15 segundos, os primeiros efeitos do crack são sentidos, enquanto os da cocaína surgem após 10 a 15 minutos. O viciado em crack, porém, precisa de várias doses durante o dia para se dar por satisfeito. "É uma droga mais barata que as outras, mas ela é de ação rápida e, por isso, induz à repetição. É como a nicotina - a pessoa precisa de 20 a 30 doses por dia para se dar por satisfeita", diz Salgado.


Uma pedra de crack custa em média R$ 5, mas pode ser adquirida até por R$ 3, dependendo da relação do viciado com o traficante. Como o usuário precisa de várias doses, o gasto médio supera os R$ 30 por dia. Sem trabalho - e consequentemente sem renda -, o viciado passa a cometer pequenos furtos para conseguir o dinheiro. No caso do garoto de Piracicaba, até o estojo de maquiagem da mãe "virou" crack.

Com a repercussão da história, uma clínica particular de Sumaré, cidade próxima a Piracicaba, ofereceu tratamento de graça ao garoto.

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