No lançamento da Campanha da Fraternidade, cardeal convoca entidades para pressionarem a favor dos excluídos no Brasil
JORNAL DO BRASIL • BRASIL • 2/3/1995
JOSÉ MARIA MAYRINK
SÃO PAULO _ O cardeal-arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, afirmou que o governo deve resistir à tentação de implantar o modelo neoliberal, para não agravar ainda mais a ´´vergonhosa“ situação dos 32 milhões de brasileiros que, segundo dados oficiais, vivem na indigência. ´´O número de excluídos não vai diminuir enquanto o capital se concentrar nas mãos de poucas pessoas“, advertiu o cardeal, ao falar da exclusão dos marginalizados, tema da Campanha da Fraternidade lançada ontem pela igreja.
Convencido de que o Brasil adotará o neoliberalismo se não houver uma imediata reação da sociedade, D.Paulo disse que as entidades não-governamentais devem fazer pressão para impedir que isso ocorra. ´´Por enquanto, o país não está no caminho certo, mas pode corrigir o rumo“, observou o cardeal, depois de interpretar como uma manifestação da tendência neoliberal ´´o fato de o trabalhador ter de viver com um salário mínimo de R$ 70, enquanto aqueles que têm cargos e influência tiveram aumentos de mais de 100%“.
A correção da rota, segundo D.Paulo, está nas mãos dos governantes. ´´Tenho confiança absoluta nessas pessoas, especialmente nesse homem com quem trabalhei mais de 15 anos em São Paulo e que agora governa o Brasil“, afirmou o cardeal, referindo-se ao presidente Fernando Henrique Cardoso. ´´Espero que, pouco a pouco, o Brasil seja de todos os brasileiros“, acrescentou ele, com a ressalva de que a aplicação da justiça social ´´não depende só do governo, mas também dos responsáveis pela produção e pela comercialização dos bens“.
O cardeal de São Paulo criticou a proposta do ministro José Serra de cobrar impostos de igrejas e instituições religiosas. ´´O ministro do Planejamento não está a par da legislação, pois não sabe que a igreja goza de isenção porque é uma entidade de direito público, como reconheceu Ruy Barbosa“, disse D.Paulo. ´´O ministro está dando um péssimo exemplo, pois com essa sugestão ele lança o povo contra o governo“, acrescentou. ´´igreja é povo, não é parede nem edifício“, argumentou o cardeal para lembrar que o dinheiro do imposto acabaria saindo dos bolsos dos fiéis.
Catador _ Depois de denunciar o agravamento da exclusão social no país, D.Paulo passou a palavra a aposentados, moradores de rua e catadores de papel para eles falarem como se sentem como excluídos. ´´Eu sou excluído porque cato papel nas calçadas e uma parte da sociedade não acha que eu faço um trabalho digno“, queixou-se o pernambucano Evandro Floriano de Oliveira, 33 anos, que mora debaixo de um viaduto. Seu colega José Amaro, presidente da Cooperativa de Papel e Material Reaproveitável, que também vive na rua, mostrou que a situação pode melhorar. ´´Para escapar dos atravessadores, a gente se organizou nessa luta que já reúne mais de 80 pessoas“, informou.
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